sábado, 1 de janeiro de 2011

Vestibular não é coisa séria

Meu sobrinho vai prestar vestibular amanhã. Assim como a maioria dos estudantes de hoje em dia ele é mediano. Sabe o nome das matérias, o número de questões que as envolvem, o grupo que está; se é Humanas, Biológicas ou Exatas e também que na segunda fase terá que escrever – o maior temor do todos – em quaisquer delas sobre Língua Portuguesa, Literatura Brasileira, Matemática e Redação. Além das matérias específicas do seu grupo de escolha. O resto ele engoliu pra dentro.

Cães não participam deste concurso. Cães exercem cidadania desde cedo e também vão aprendendo uma profissão de acordo com a sua raça, ou temperamento, ou ambos. A língua canina é universal, compreensível e seus gestuais e expressões sonoras são audíveis e bem facilmente interpretadas. Se cão falasse e escrevesse, não gastaria praticamente dezessete ou mais anos para aprender uma língua e se comunicar nela. Jovens humanos apresentam essa dificuldade tremenda. Desconhecem o próprio idioma, o hino nacional – por exemplo - e seus escritores.

Como nem conseguem acordar cedo, a prova é no período vespertino. Eles vivem cansados. Eles estudam muito. A família inteira pressiona. Cortam-se passeios, festas dos fins-de-semana, namoros, atividades físicas, até férias. Não entendo. Em vez de aproveitarem esse período maravilhoso que é a juventude, colocando energia em fatos produtivos e lúdicos, se enterram em conceitos repetidos e pouco úteis na vida cotidiana.

Cães correm. Cães pulam. Cães comem bastante e respiram fundo o ar que lhes cerca. Cães namoram também, no cio a sensação é a melhor do mundo. A vida fica rosa. Quando estamos prestes a morrer, lembramos muito desta fase incrível da vida. Acho que ninguém se lembra do tanto que estudou. Da monotonia do quarto e das aulas cada vez mais longas. Ah, antes os jovens tinham aulas nos dias de semana, pela manhã e pronto. Hoje eles têm aula a tarde, e também nos sábados. Será que ninguém ensinou para os diretores de escola que uma pessoa normal aprende muito mais lendo e fazendo seus resumos e anotações sozinha, do que escutando outra?

Acredito que o erro está nos pais omissos. Eles delegam praticamente toda a responsabilidade da Educação para o colégio. Até que o ensino fundamental é legal, onde as amizades verdadeiras se formam e não é tão elitizado e separatista. Vocês sabiam que as ditas “melhores” escolas selecionam os alunos? Ora, um adestrador, um bom professor é o que consegue passar os conhecimentos para aquele cão que tem dificuldades. O cão esperto e interessado aprende de qualquer jeito e em qualquer lugar!

Minha irmãzinha foi fazer entrevista numa “escola” dessas e o sujeito perguntou se ela iria fazer o terceiro ano, ela disse que não, que era o primeiro. Aí ele olhou o boletim dela e a menor nota – em Português, lógico – era 8,5. Imediatamente foi matriculada. É de interesse do empresário-escolar aceitar um aluno assim. Ficou impressionado com o jeito dela falar, sem cortar os erres e os plurais e fazendo a famigerada concordância verbal correta. E em nenhum momento utilizou as muletas fonéticas tais como: é... sei... véi... bão... e outros absurdos que nem consigo transcrever de tão crassos que são.

Meu irmãozinho é atleta de alto rendimento. Físico invejável, viaja por todo país competindo, treina em média 3 a 4 horas por dia. Extremamente responsável, maduro, pois desde cedo enfrenta adversários de toda espécie e qualidade técnica. Sabe lidar com derrotas, frustrações e medos. E não é que a antiga escola dele nunca o dispensou para competir? Que sempre ele teve que fazer as provas de segunda chamadas – que são propositadamente mais difíceis – e que perdeu vários e vários pontos por não comparecer nos “simulados”, sendo que para ele a vida já é real e pronto? Resultado: ficou chateado com a escola. Teve que estudar com professores particulares para ser aprovado no fim do ano e somente o conseguiu porque o papai disse para ele que seria um desafio. Igual as competições que ele está acostumado a enfrentar. Vendo por esse prisma ele fatalmente – com a disciplina que somente um atleta tem – estudou com afinco e provou que é um aluno competente. As notas foram as mais altas de toda escola.

O que o papai prometeu? Se fosse aprovado, poderia trocar de escola, se fosse reprovado teria que permanecer até provar – de acordo com as regras do colégio – a sua capacidade intelectual. Hoje ele estuda num local em que é reconhecido como o melhor atleta de sua idade do estado em que vive, que coloca em cartazes as suas vitórias, que exibe suas medalhas, em suma; o valoriza. E não é que o rendimento melhorou? Tanto no esporte como no estudo?

É óbvio que nem todo jovem conseguirá ser igual a minha irmã ou ao meu irmão, e muito menos o sólido equilíbrio entre ambos. Estudo e atividade física. Além das artes em geral... que eu nem citei, porque aí é que eu iria ficar com vergonha mesmo... Um feito desses somente um animal conseguiria. Aliar as qualidades intrínsecas de um ser vivo. Muito difícil. Exige tempo, maturidade e família. Sendo que estes três itens atualmente estão escassos, raros e em dissolução. E eu não diria necessariamente nessa ordem ou mesmo respectivamente, a minha citação anterior (sobre tempo, maturidade e família, repeti o conceito, por querer, em razão de algum vestibulando ter conseguido ler este texto até este ponto...).

O tempo hoje é consumo e não proveito. A maturidade é jogada para frente cada vez mais, com crianças cheias de vontades e adolescentes sem frustrações, gerando adultos agressivos e idiotas. Família? Nem precisa ser aquele núcleo antigo de pai, mãe e filhos. Acho que se tiver pelo menos um líder, uma pessoa sensata, tipo um cachorro tranqüilo e com bons exemplos de atitudes, já basta.

Então cheguei a conclusão de que o vestibular é uma aberração. Um teste disforme que avalia mal e porcamente esses jovens perdidos de hoje em dia. Uma pena, uma lástima. Contudo um cachorro do bem não deve apenas apontar defeitos. Já que é muito mais fácil criticar do que sugerir e apontar soluções.

Acredito que a avaliação deveria ser contínua, o ensino uniforme e de alto nível e a escola particular praticamente abolida. O governo deveria se responsabilizar por isso. De maneira regular e constante. Porque senão teremos um universo de técnicos, de pessoas angustiadas e incapazes de viverem em coletividade. Achando que “fiz a minha parte” é algo grandioso, quando o adequado seria “fiz parte de um todo”. E esse todo é o sucesso do bando, resultando em paz, amor e saúde. Elementos essenciais de ensino para a vida. E que – infelizmente- não cai no vestibular.

Úrsula Maff

Um comentário:

  1. Úrsula, sábias observações... vou meditar sobre elas, até porque tenho filhos e desejo vê-los felizes.

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