“Enterrem Meu Coração na Curva do Rio”
Você lê revistas em quadrinhos? Não? Está na hora de começar. Sugiro que leiam – os aficionados pelo velho Oeste e a cultura indígena – Mágico Vento. O autor é Bonelli e existe em português. E o que isso tem a ver com esse filme? Simples, o gibi retrata muito melhor do que vários livros, ambos os massacres e suas razões políticas. O primeiro de Little Big Horn – onde morre o General Custer, enviado para se ferrar – e o segundo do riacho Wounded Knee que ficava no meio da reserva Pine Redge.
No final do século XIX, os índios estão reunidos e encurralados. Não há mais pastagens para todos. O homem branco, igual a gafanhotos, vem invadindo e destruindo o que pode. As estradas de ferro trazem atiradores que matam -por esporte- milhares de búfalos, a fonte protéica por excelência da maioria das tribos. Apenas Touro Sentado não participa das assembléias e não assina o tratado das reservas. Nuvem Vermelha, mais velho, concorda. Ambos são sábios e grandes líderes.
Paralelamente a história de Ohiyesa é descrita. Filho de um índio com uma branca, é buscado em sua tribo Sioux pelo pai, vai ser educado como branco. As cenas do trem são muito bonitas, assim como o dia-a-dia indígena. Fotografia cheia de focos e desfoques, com enquadramentos ricos em diagonais.
Ohiyesa torna-se Charles Eastman. Fica amigo do senador, é tido como exemplo. É um médico. Enquanto isso Touro Sentado faz um périplo pelos EUA, levando sua tribo até o Canadá. Lá é aceito para depois ser rechaçado. Sua autoridade é posta em dúvida, ele é o chefe.
Eastman vai para uma reserva onde está Touro Sentado, vê de perto o sofrimento de sua raça e o diálogo áspero com o Senador, que um dia o fez médico e deu-lhe vida confortável é poderoso, marcante. O choque está feito. Touro Sentado enfrenta a autoridade local, não respeita as regras, mas sem violência. Sua presença moral é imensa. Um homem possui três grandes forças: a física, a mental e a moral. Touro Sentado é um dos raros que exibe todas sem oprimir ou humilhar ninguém.
Os sioux estão tristes, quase patética a cena da “caça” de um jovem no curral dos touros. Cheio de significados e significância a breve discussão entre Touro Sentado e o chefe da reserva. Além de inteligente, Touro Sentado dispõe de fina ironia.
O filme é triste, assim como o olhar dos índios. Toda uma cultura e civilização destruída por outra. Quem é mais moderno e justo? Aquele que vive em igualdade, abolindo a propriedade privada – nem existe um nome em quaisquer línguas indígenas para isso – ou aquele que expulsa o rival, barganhando com dinheiro e poder os interesses escusos que estão ocultos? Interesses maiores do que a Black Hills, até.
Termina de maneira melancólica. Não tem jeito. Mas o registro é tão belo e as discussões tão atuais, que merece ser visto.
O que há de bom: fotografia bela e temas bem pertinentes à história americana
O que há de ruim: o livro é famoso e o li na minha adolescência, mas o filme é recente (essa juventude inculta que nada lê pelo menos veja) e pouco sucesso fez
O que prestar atenção: a palavra assimilação não é sinônimo de imposição
A cena do filme: a imponência de Touro Sentado, ao censurar os jovens só com olhar, depois de ouvir fofocas a seu respeito
Cotação: filme bom (@@@)
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