“Minhas Tardes com Margueritte”
Eis um filme para levar sua mãe, seja ela como for. Carinhosa ou ausente, dedicada e presente, dispersa ou controladora. Não importa, desde que vá. O efeito será imediato. Eu que fui criado em volta dos livros, com ambos os pais muito cultos e leitores ardorosos, vibrei.
A primeira cena em que o mastodonte do Gerard Depardieu encontra-se com a delicada senhora no parque é incrivelmente bem construída. Desde a câmera que capta cada pombo com suas características intrínsecas até o diálogo insólito e a cumplicidade imediata que se estabelece entre ele, o jovem – para ela, é claro – iletrado e tosco com a anciã vivida, sozinha e de um francês quase que acadêmico.
O perfil que se abre do sujeito é imenso. Vive com a mãe rude como ele, bêbada, fumante e apegada ao passado quando era fogosa e ardente. Suas lembranças de escola são funestas. Um professor que rima palavras que ele desconhece e que o encarna, e difama a cada aula. Uma agressão fortuita de um dos vários amantes de sua mãe (e nesse momento foi o único em que ele se lembra que ela o defendeu) e a eterna dificuldade com as palavras e as letras.
Sua vida é cheia de bicos. Entretanto sabe lidar com as pessoas, pois diante de sua simplicidade quase asinina – veja sua opinião quando o garoto argelino larga sua amante de 50 anos – ele agrada. O modo como age na feira, e em particular com seu jardim e a velha mãe vagabunda são de tocar o coração. Ele é gentil com todas, a característica dos homens bons. Inclusive sua namorada percebe claramente o quão valioso ele é.
Do outro lado uma mulher sólida, morando num asilo, e que encontra naquelas tardes um novo estímulo. Seu pigmaleão literário. Cada palavra é tão bem utilizada que imagino o roteirista corrigindo cada fala da empertigada lady. Seus trajes são elegantes, contidos. Seu andar é vacilante, mas a postura ereta, retilínea. Quero chegar lá assim...
Contudo o que mais me apraz ao vê-la é ouvi-la. Seu presente inicial é “La Peste” de Camus. Livro que tive que fazer uma extensa resenha. Depois ela lhe entrega um Petit Robert, dicionário trivial francês. Podemos conhecer um homem pelo número de dicionários que ele tem. E apesar do conteúdo belíssimo deste personagem, o Germain, ele cresce de maneira incomensurável quando começa a ouvir e a ler.
O filme torna-se então uma ode a leitura, aos mundos que os livros podem nos levar. E sem pieguice alguma, é de emocionar, de chorar.
O filme parece tomar contornos tristes e fatalistas, mas nada mais é do que o reflexo da realidade. Dura e inevitável sina do destino, o tempo. Inexorável. Mas as atitudes que tomamos para – ao menos – fazer com que seja amainado o sofrimento, é que nos tornam amorosos e humanos.
O que há de bom: relações de filho e mãe, postas em julgamento
O que há de ruim: não trás a lista dos livros citados e nem dos autores, uma bela aula
O que prestar atenção: nem tudo que queremos está nos dicionários, por isso a necessidade de criarmos o nosso próprio, com as nossas significâncias
A cena do filme: as falas dele com o pretenso intelectual da turma, são impagáveis
Cotação: filme excelente (@@@@@)
COBRA by Úrsula Maff
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