Úrsula Maff
“Cão de Briga”
Jet Li já estrelou muitos filmes. Hong Kong está cheio deles, assim como Jackie Chan. O que me trás então ao enésimo filme de porrada? Muita coisa. Primeiro a locação: Glasgow, na Escócia, onde estive ano passado. Depois, o Morgan Freeman, um ator acima de qualquer suspeita. E por fim: meu querido mestre Yuen Woo Ping.
Em 71 estive com ele em um campeonato. Ela acabava de assinar seu primeiro trabalho como coreógrafo de lutas, no filme Mad Killer e havia passado o maravilhoso The Chinese Boxer. Tinha 26 anos e falava um chinês ininteligível de Guangzhan. Mas mesmo assim, nos entendemos. Como eu era uma criança, levei até pouca pancada para o nível de luta dele. Mas aprendi a admirar a Ópera de Pequim e o Kung Fu. Mestre Woo é o cara. Ele está por trás de Matrix, Kill Bill e tudo o mais. Ave Yuen!
Treinado desde garoto por um sórdido gangstêr, Danny é um cão de guarda. Usa coleira, vive preso, come mal e quase não fala. Mas soltou o bicho, é morte na certa. Instintivo, reativo ao extremo. Um lutador sem explicação. Em vez de dar um pontapé aqui, um soco ali, desviar do oponente, não. A técnica de Danny é tosca: ele esmurra o alvo até a sua queda, e nem se importa se é atacado. Mortal.
Além dessa violência desmedida, é obediente e controlável. Fiel. Fidelíssimo. Mas essa pode ser a sua maior escolha e falha. Já que só somos fiéis a quem nós confiamos plenamente. Ele não sabe do seu passado, sua origem, sua mãe e o seu amor pela música. Num intervalo qualquer do seu showzinho particular de pancadaria (cada cena melhor do que a outra, veja os movimentos de bloqueio e defesa, perfeitos) ele pede um piano.
Neste ínterim o seu carro é abalroado por um caminhão e metralhado. Como todo bom herói e animal, ele escapa. Vai parar na casa do excelente afinador de pianos, o Sam. Sam é cego. Primeiro vê Jet Li como uma criança. Depois o percebe como adulto e por fim tenta transformá-lo em um homem. Que é coisa bem diversa de ser menino e crescer apenas no tamanho. Faço o mesmo com meus pupilos no nobre esporte aquático.
Ali com Sam ele aprende o que é amor, carinho, afeição. E amizade. Ah, como eu gosto dessa palavra. A base para qualquer relacionamento humano, a amizade. Muito bonito. Apesar de 80% do povo que está no cine querer ver ação. Mas tem. Pode deixar. O monstrinho volta para resolver negócios não findos. E é pressionado. A cena dele lutando com os agressores profissionais na arena é uma aula de esquivas e equilíbrio.
Ele retorna para casa. O seu “dono” vem atrás. O confronto final. É bestial a luta no banheiro apertado. O jogo de mãos equivalente ao mestre Pai Mei, contra aquela armação de madeira para treinos.... O adversário é bom de pernas, Savate. Aí vem o derradeiro desafio. Voltar a ser cão e matar ou ser um homem? Veja a escolha de Danny. Na telona. É duca!
O que há de bom: coreografia de Yuen Woo Ping, meu eterno mestre
O que há de ruim: Jet Li fala algumas vezes, não deveria, ele é fraco, mas nesse filme atua bem, por incrível que pareça
O que prestar atenção: não precisa ser grande para ser forte e não precisa ser culto para ouvir Mozart
A cena do filme: a queda com o aparo de mão único, na arena, só um mestre faz isso (e a vida é assim, às vezes só uma mãozinha, já ajuda...)
Cotação: filme bom (@@@)
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